Por: Carolina
Catini.
1.
“Dizem que, na
China, a maldição que se lança contra alguém que realmente se detesta é: ‘Que
você viva em tempos interessantes!’. Em nossa história, ‘tempos interessantes’
são de fato os períodos de agitação, guerra e luta pelo poder, em que milhões
de espectadores sofrem as consequências”. Os tempos interessantes a que se
remetia Slavoj Žižek com essa história, que consta no prefácio à edição
brasileira do livro Primeiro como tragédia, depois como farsa nada
tinha a ver com a pandemia do coronavírus. O texto, publicado em 2011 no
Brasil, dois anos depois da versão original de 2009, falava de uma crise
econômica que anunciava os “tempos interessantes” que temos vivido desde então.
No Brasil os tempos mais interessantes, por assim dizer, irromperam
espetacularmente com a disputa da orientação política das ruas em 2013,
inaugurando a era de antagonismos disruptivos, cultivados em silêncio sob as
políticas de conciliações do período anterior.
A questão que se
impunha ao autor dizia respeito à evidência de uma mudança radical imposta por
um “estado de emergência econômica” que, não obstante, se tornou permanente. Na
emergência, o Estado deixa à mostra seu papel de manter vivo o capital, fazendo
valer a “austeridade”, que se revela brutalmente pelo corte dos custos com as
vidas que já não podem servir à valorização do valor. Mas voltando a Žižek, o
problema da mudança de um novo tempo que se anuncia, mas prorroga o momento de
estreia, é sintetizado pelas palavras de Gramsci: “O velho mundo está morrendo,
e o novo mundo luta para nascer: agora é o tempo dos monstros”. O fascismo e o
stalinismo foram os monstros que os revolucionários do século XX enfrentaram. E
agora?
Antes da
pandemia, as consequências da crise, que iam bem além da crise econômica, eram
bastante evidentes na nossa vida cotidiana na forma de uma aceleração temporal,
na qual um ritmo alucinante sugava nossas energias, já tão absorvidas pelas
necessidades impostas pelo trabalho. A sobrecarga de estímulos se somava à
incessante atividade concorrencial, seja para manter nossa força de trabalho
empregada, ou para torná-la utilizável, vendável, intercambiável por qualquer
trocado. A velocidade dos acontecimentos e a materialidade de uma sensação de
fim de linha afetam hoje a perspectiva histórica: não se espera um sábado de
descanso, nem um futuro histórico “distinto e melhor do que o presente”1. O
horizonte de expectativa é decrescente e para a maioria se reduz à própria
sobrevivência (ver Paulo Arantes, O novo tempo do mundo: e outros estudos
sobre a era da emergência).
Parece ser
preciso observar os efeitos especiais dessa “era da emergência” na educação,
que sempre se faz em nome de um futuro. Um professor, sobrevivente da tortura
da ditadura e observador das permanências do autoritarismo nas relações educativas,
personagem de Beatriz Bracher2, depois de constatar que algo não funcionava bem
no motor educação no início do século XXI, pergunta: “Para quê educar? Criar
homens livres, revolucionários, críticos, úteis, cidadãos, cada década com seu
objetivo. E agora?”
2.
Agora, a questão
que se impõe na exceção do confinamento são os meios para educar. Quase todo o
debate sobre educação na pandemia se reduz às questões da educação à distância,
do ensino remoto, da validação das horas e das cargas didáticas. A pandemia e o
confinamento aceleraram um processo que já estava em curso de introdução mais
intensiva de tecnologia na relação educativa. Como outras mudanças provocadas pela
exceção do momento de confinamento e distanciamento social, também apresenta
tendências de se generalizar e se tornar permanente.
“Há professores
que resistem e que acham que seu curso não pode ter experiências digitais,
esses professores provavelmente vão perder o emprego”, são
as palavras do diretor de inovação do Sindicato das Entidades
Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo.
Para ele, as universidades devem aproveitar a crise como oportunidade de
modernização e corte de custos. Pouco tempo depois dessa declaração, a demissão
de 120 professores de outro conglomerado de empresas privadas de ensino
superior mostra que não apenas quem resiste ao ensino à distância será
eliminado. A chamada EAD, o ensino não presencial que se dá com a mediação de
plataformas, já era a realidade do trabalho dos docentes da rede Laureate antes
da pandemia, assim como de grande parte dos cursos de ensino superior da imensa
e lucrativa rede privada de ensino superior no Brasil. Parte do corpo docente
que perdeu o emprego no meio da quarentena havia feito uma denúncia
de que o serviço vendido pela empresa não era o mesmo que era comprado
pelos estudantes. Os estudantes desconheciam que as avaliações, inclusive
escritas, estavam sendo corrigidas por robôs. Tal denúncia não intimidou os
patrões que, pelo contrário, agiram no sentido de banir eventuais manifestações
políticas, bem como de eliminar e substituir a força de trabalho.
No primeiro
caso, há a aceleração do processo de introdução de tecnologia para aulas à
distância. Além da ampliação em larga escala da produtividade do trabalho, a
introdução de tecnologia introduz uma nova divisão de trabalho entre aulistas,
tutores/as, corretores/as, etc. O trabalho é parcelado e cada trabalhador e
trabalhadora é expropriado do conhecimento sobre a totalidade do processo e
resultado do trabalho.
Enquanto isso,
no outro caso, de introdução de inteligência artificial, a tecnologia não se
apresenta como mediação, mas substitui o trabalho humano pela máquina. Em tese,
a correção de provas dissertativas diria respeito a um trabalho “intelectual”,
de análise de conteúdos e decisão sobre valor a atribuir a determinado tipo de
resposta. O emprego de inteligência artificial só pode substituir o trabalho
docente quando este já chegou no grau máximo de exploração e o emprego das
capacidades intelectuais já foi suficientemente reduzido, pelo simples
esgotamento físico de professores com mais de 3 mil alunos. A degradação do
trabalho docente compete diretamente para a impossibilidade de que a relação
pedagógica possa conter traços de experiência formativa.
Em algumas
escolas estaduais da rede básica de São Paulo também está sendo empregado um
software no qual se insere resultados de avaliações dos estudantes em planilhas
e a máquina responde com um laudo que diz quais as competências e habilidades
que faltam para o estudante adquirir, de acordo com o previsto3. As habilidades
e competências estão numeradas e descritas na Base Nacional Comum Curricular, e
o laudo gerado deve orientar o trabalho docente.
O importante
aqui é que a avaliação de resultados dos estudantes é a medida da produtividade
do trabalho de ensinar. Já faz tempo que a avaliação de rendimento se tornou
mecanismo de gestão que está à espreita para tornar-se ferramenta objetiva de
seletividade, expulsão e substituição de trabalhadores e trabalhadoras da
educação. Aponta um processo no qual o trabalho de gestão se automatiza e
transforma a avaliação num processo constante por meio de aplicativos, enquanto
o trabalho vivo é expropriado de seus conteúdos e se torna um trabalho cada vez
mais simples e destituído de conhecimentos. O mesmo ocorre nos processos
chamados de “uberização” do trabalho, aqui colocados dentro do processo de
trabalho docente4.
A tecnologia se
colocará a serviço da seleção, capacitação e eliminação do trabalho educativo que
não apresente o rendimento adequado. O conhecido relatório Professores
Excelentes do Banco Mundial já sugeria, em 2014, que países pobres
precisam de “ações muito mais agressivas para retirar de cena de forma contínua
os professores com desempenho mais baixo”.
Onde a busca por
resultados e a produção obsessiva de índices é incessante, a avaliação é
constante, mas em nada altera as condições objetivas da educação ou da vida.
Mais da metade dos estudantes da rede básica do estado de São Paulo, dentre os
3 milhões e meio matriculados, nunca acessou e nem deu login no
sistema de aulas online montado para a continuidade pedagógica
durante a pandemia. A muitos deles falta tecnologia e infraestrutura mais
básica do que conexão e aparelhos eletrônicos, como saneamento básico,
alimentação e o mínimo necessário para sobreviver a uma crise sanitária.
Segundo a OCDE, por exemplo, são resilientes os estudantes mais
pobres que atingem desempenho nível 3 na avaliação de português, matemática e
ciências, avaliadas pelo PISA. Com essa nota, eles são considerados portadores
de “oportunidades de aprendizagem” e aptos a dar continuidade aos processos
seletivos com competitividade5.
A avaliação é
real, a educação fictícia. Mesmo que não haja processo educativo a avaliação e
os mecanismos de seletividade são onipresentes.
3.
Aos gestores da
educação a resposta ao Para quê educar é automática: preparar para o
futuro e para o trabalho, ou para o que se imagina ser o trabalho do futuro.
Meio fora de moda, a cidadania às vezes aparece, e não por acaso também ganha
forma de trabalho: protagonismo juvenil e empreendedorismo social são figuras
modernizadas que galvanizam o trabalho voluntário ou sub-remunerado, voltado
para o “social”. Tais gestores não param de se multiplicar, como intermediários
que surgem entre quem contrata o trabalho e a quem ele se destina. Nas redes
privadas, além do investimento estatal direto pelo pagamento de mensalidades estudantis
que chega com muito mais vigor nas bolsas de valores do que nas salas de aulas,
o fenômeno se dá por meio das aquisições de redes por conglomerados
empresariais e fundos de investimento. No caso da rede estatal de educação,
ocorre pela prestação de serviços por organizações e empresas privadas
disfarçadas de “parceria” com a “sociedade civil”, para desenvolvimento de
projetos, programas ou terceirização da gestão. Diga-se de passagem, o modelo
de terceirizar a gestão está batendo à porta das universidades públicas com o
programa Future-se.
A Fundação
Lemann, por exemplo, tem sido contratada por vários municípios para trabalhar
dentro de secretarias de educação, por meio das quais estabelece contratos com
a Google for Education, que ocupa as escolas e pinta as salas de aula com
suas cores e logos. A pandemia acelerou esse processo e muitas outras
ferramentas tecnológicas de educação têm sido criadas ou aprimoradas a partir
desse capital educador, como o aprendiZap, também da Lemann, no compromisso
de instaurar “o futuro, agora”, lançada por quem não se envergonha em dizer que
vê a crise sanitária da covid-19 como uma “janela de oportunidade”.
Funcionários de tais empresas, sem formação em pedagogia ou licenciatura, ficam
responsáveis por atividades educativas bastante simplificadas, enquanto
professoras executam outras tarefas, por até 10 das 25 horas semanais. Algumas
empresas oferecem sequências de atividades que preenchem a hora-aula com um
vídeo gravado por um ator infanto-juvenil, seguido de exercícios de compreensão
da aula, um jogo de vídeo game e, finalmente, os testes para finalizar cada
hora com avaliação.
O processo de
privatização dos direitos sociais que o Estado agenciou nos últimos trinta anos
se desenvolve hoje numa trama complexa de programas, projetos, produtos
oferecidos por diversos tipos de entidades privadas, fundações e institutos
empresariais para as áreas de educação, mas também cultura, assistência e
segurança, que promovem atividades educativas no turno e no contraturno escolar.
Pela contratação de serviço ou pela responsabilidade social empresarial que
libera empresários de pagar impostos e o Estado de oferecer os direitos, a
conciliação também significou a passagem dos serviços sociais para os donos do
poder econômico. A classe de gestores e empregadores educa diretamente
trabalhadores e trabalhadoras ao se apropriarem privadamente do trabalho
educativo. Em parceria com escolas ou oferecendo trabalho precário por meio de
editais próprios, passou a controlar muitos momentos do trabalho e da formação
de jovens, com ampla experiência no ensino do empreendedorismo e da
concorrência nas periferias.
O Todos
Pela Educação não é apenas uma estrutura paralela ao ministério da
educação organizada por empresários engajados na qualidade da educação dos
pobres, defendida em seu site verde e amarelo. Além de fazer política, este
conglomerado social empresarial fez com que o banco mais lucrativo do Brasil ou
uma grande indústria de pneus se tornassem efetivamente educadores da juventude
trabalhadora.
Como no caso de
todo direito social, o sucateamento e precarização do trabalho justificam a
superioridade dos serviços prestados privadamente pelos mesmos agentes da
destruição anterior. As empresas são contratadas para prestar serviços e
transformam toda força de trabalho em prestadora de serviços para elas.
A introdução de
tecnologia na educação está ocorrendo hoje por processos presididos por essas e
outras grandes corporações. A única força social com capacidade massiva que
entra na disputa pelo controle da educação das camadas populares são as forças
militares. De um lado a apropriação privada, de outro, a repressão armada. De
qualquer forma, o despotismo do capital.
4.
Responder
adequadamente à pergunta “Educação para quê” exige não abstrair o fato de que a
educação se faz com trabalho. E como tal, deriva de atividade realizada por
forças submetidas às mesmas leis de um capital que, por meio de suas
contradições constitutivas, expressa sua crise no massacre de sua própria
substância, a força de trabalho. A precariedade e a precarização do trabalho
educativo são proporcionais ao poder totalitário de quem o coloca em movimento
na forma de contratantes ou investidores, seja ele o Estado, o empresariado ou
os fundos de investimento.
Em grande
medida, realizar-se enquanto trabalho está em relação direta com o fato de que
a educação não tem orientado seus esforços para impedir que a barbárie se
repita, conforme o imperativo adorniano. Algumas barbaridades mais ou
menos graves são cometidas cotidianamente na educação para dar conta da
produtividade do trabalho, cuja imposição é cada vez maior, mais objetiva e
mais precisamente mensurável. Mas isso não nos exime da necessidade de
encontrar elementos das relações concretas de educação que possam ter contribuído
para chegarmos a essa nova barbárie.
Sim, porque não
se trata mais “apenas” da indiferença diante do sofrimento dos outros, do
“silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina” e de todo genocídio de uma
parte específica da população atingida pela cadeia de massacres, que faz parte
das formas de gestão próprias à democracia capitalista. Como se não fosse
suficientemente brutal vivermos uma pandemia viral em meio à crise em que já
estávamos imersos, da necessidade de confinamento num momento em que terror
está acima de nós, governando-nos sem impedir mortes que poderiam ser evitadas,
enquanto somos massacrados, morrendo e deixando morrer quem trabalha, quem não
tem teto, quem não acessa a saúde devidamente sucateada e terceirizada como
todos os direitos sociais nos últimos anos… Ainda precisamos conviver com
espetáculos de brutalidade, como as cenas de celebração da morte alheia por
manifestantes paulistas “que querem trabalhar”, e que ao som das buzinas e
entre seus carros dançam carregando caixões, com a bandeira nacional hasteada,
pedindo intervenção militar; ou a agressão a médicos e enfermeiras, que
reivindicam condições mínimas para a segurança no trabalho, no país onde mais
morrem trabalhadores e trabalhadoras da saúde contagiados pelo novo coronavírus.
Nos Estados Unidos de Trump, numa das carreatas da morte que também
reivindicava o retorno ao trabalho, uma das manifestantes a favor do fim do
confinamento e da reabertura das atividades econômicas carregava um cartaz
dizendo “sacrifiquem os mais fracos”.
Chegou a hora
do abate, como analisou Victor Hugo Silva. Além dos fracos e já doentes, a
eugenia em curso se dirige à mesma periferia, negra, de trabalhadoras e
trabalhadores precarizados e desempregados, a quem o Estado genocida nunca
parou de matar. A ampliação da escala do genocídio e a falta de choque com a
morte massiva é uma mudança radical que se apresenta. A cada seis horas
morre uma pessoa contagiada por covid-19 no Grajaú, extremo sul de São
Paulo. A cada seis horas a polícia militar do estado de São Paulo mata uma
pessoa nas periferias das cidades, durante a quarentena.
Parece que aqui
também “a eliminação é o núcleo em torno do qual se organizam nossas
representações”, como dizia Silvia Viana sobre a reposição dos rituais do
sofrimento do trabalho nos jogos de aniquilação (ver Rituais de sofrimento).
Pois é clara a manifestação de que se deseja eliminar qualquer perdedor nesse
confronto que se tornou a própria vida, seja quem perdeu as eleições, o emprego
ou a saúde, porque foi contagiado.
Para Vladimir
Safatle, a relação que se estabelece com a morte define uma sociedade. É
urgente compreender porque “a morte de cada mal vivente tem efeitos
farmacêuticos sobre os bem viventes”, que na escola do mundo de avesso de
Eduardo Galeano6 está referida à origem da palavra farmácia: ela “vem
de pharmákos, o nome que os gregos davam às vítimas humanas nos
sacrifícios oferecidos aos Deuses nos tempos de crise”. Quando Deus é o capital
e o capitalismo uma religião em crise, oferecemos ao sacrifício cada
concorrente na luta pela sobrevivência, quando só o trabalho pode garanti-la. O
mesmo trabalho que humilha, oprime, assedia e suga nossas energias vitais.
5.
Parece que
aguardamos algum evento que possa encurtar o tempo de sofrimento e produzir em
breve a solução final. Por isso talvez mantemos nossos olhares nas notícias e
previsões de futuro e deixamos de encarar plenamente o presente bárbaro. Felipe
Catalani notou neste Blog da Boitempo como o desgaste do
prolongamento da crise levou à decisão fascista no momento das
eleições: a esquerda, historicamente reconhecida como “progressista”, projetava
o retorno à alguma “normalidade” do passado, ao mesmo tempo em que considera
retrocesso tudo que vem da nova direita. A proposta eleitoral radical e
destrutiva encontrou ressonância e foi vitoriosa. Prometia perseguição, mortes,
guerra. E todos os dias confirmamos que não se tratava de fake news.
A meta da
direita é o futuro, mas um futuro bastante seletivo, onde não cabem todos. A
normalidade, no entanto, dentre outras naturalizações de violências, produziu
os direitos sociais privatizados. Como eles se submetem às leis da concorrência
entre capitais, nada os segura em associar-se ao governo democrático ou
autoritário, quando o Estado permanece sendo sua garantia ou meio para fazer da
educação um ativo financeiro. Nem de investir ou deixar de investir quando
assim lhes aprouver, o que faz do direito social algo tão intermitente quanto o
trabalho. Na prática, em nome da massificação que, não obstante, se identificou
como democratização da educação pela ampliação de vagas gratuitas ou “low cost”
nas redes estatais e privadas, a forma social da educação já estava se moldando
pelos princípios demandados pelo capital em crise, com seu darwinismo social,
que envolve a formação para novos hábitos, “empreendedores” e “inovadores”,
fomentando uma forma de engajamento individual que confunde subjetividade e
empresa, subjetividade e capital. Os mecanismos de gestão dos conflitos sociais
pela implementação da concorrência entre nós tendem a ser aprimorados com a
recessão econômica que se aprofunda.
De maneira
alguma apresentar resistência ao presente processo de inserção massiva de
tecnologia significa negar a necessidade de se mudar a educação. Não se trata
também de uma crítica da tecnologia em si, mas da aceleração de processos que
ela engendra no contexto que vivemos, aprofundadas pelas possibilidades da
tecnologia ser usada pelos mecanismos de vigilância e pelo recrudescimento do
controle social. Trata-se, ao contrário, de confrontar mais um avanço da
subordinação do trabalho ao capital e, partindo dessa ameaça iminente, buscar
coletivamente formas de ampliar o controle do processo de trabalho, bem como
dos meios de produção do ensino, por parte dos trabalhadores e trabalhadoras.
É preciso
atentar para práticas eliminatórias das quais temos sido cúmplices e suas
consequências; assim como para a capacidade da tecnologia subjugar o processo
educativo à objetividade das máquinas, num momento em que todo nosso esforço
deve se voltar para impedir que a educação seja mais um instrumento da produção
incessante de barbárie.
* * *
* * *
Notas
1 Reinhart
Koselleck, Acelaración, Prognósis y Secularización (tradución,
introdución y notas Faustino Oncina Coves, Pretextos, Espanha, 2003).
2 Beatriz Bracher, Não falei (São Paulo, Editora 34, 2004).
3 Pode dizer, por exemplo, que uma estudante do sexto ano teve sucesso na
aquisição da competência EF06LP02, que se refere à “Estabelecer relação entre
os diferentes gêneros jornalísticos, compreendendo a centralidade da notícia”,
mas não na competência EF67LP03 que diz respeito a “Comparar informações sobre
um mesmo fato divulgadas em diferentes veículos e mídias, analisando e
avaliando a confiabilidade”.
4 A partir de outro tipo de análise das relações de trabalho, Selma Venco
já tem utilizado o tempo uberização do trabalho docente.
5 Ver mais em Luiz Carlos de Freitas, A reforma empresarial da
educação: nova direita, velhas ideias. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
6 Eduardo Galeano, De pernas para o ar: a escola do mundo ao
avesso (Porto Alegre, L&PM Editores, 2010).
* * *
Carolina
Catini é professora da Faculdade de Educação da Unicamp, autora
de Privatização da educação e gestão da barbárie (Lado Esquerdo,
2017) e uma das autoras do livro Educação contra a barbárie: por escolas
democráticas e pela liberdade de ensinar, organizado por Fernando Cássio
(Boitempo, 2019).
Comentários
Postar um comentário