Por: Patrick
Chamoiseau; Jean Bernabé; Raphaël Confiant
Tradução: Magdala
França Vianna
Prólogo
Nem Europeus, nem
Africanos, nem Asiáticos, nós nos proclamamos Crioulos. Isso será para nós uma
atitude interior, ou melhor: uma vigilância, ou melhor ainda, uma espécie de
invólucro mental em cujo interior se construirá nosso mundo em plena
consciência do mundo. Essas palavras que vos transmitimos não são do domínio da
teoria, nem de princípios eruditos. Sintonizam-se com o testemunho. Procedem de
uma experiência estéril que tivemos antes de nos dedicarmos a recuperar nosso
potencial criativo e ativar a expressão do que somos. Não se dirigem apenas aos
escritores, mas a todo conceptor de nosso espaço (o arquipélago e seus
contrafortes de terra firme, as imensidades continentais), em qualquer que seja
a disciplina, em busca dolorosa de um pensamento mais fértil, de uma expressão
mais justa, de uma estética mais verdadeira. Que esse posicionamento possa
servir a ele como serve a nós. Que ele possa participar da emergência, aqui e
ali, de verticalidades que se sustentariam na identidade crioula, elucidando-a
inteiramente, abrindo-nos, dessa maneira, os traçados do mundo e da liberdade.
A literatura
antilhana ainda não existe. Ainda estamos em um estado de pré-literatura: o de
uma produção escrita sem audiência em seu próprio país, desconhecendo a
interação autores/leitores onde se elabora uma literatura. Esse estado não é
atribuído somente à dominação política, ele se explica também pelo fato de que
nossa verdade foi encerrada no mais profundo de nós mesmos, estranha à nossa
consciência e à leitura livremente artística do mundo em que vivemos. Somos
fundamentalmente marcados pela exterioridade. Isso desde os tempos de outrora
até os dias de hoje. Temos visto o mundo através do filtro dos valores
ocidentais, e nosso fundamento foi "exotizado" pela visão francesa
que tivemos de adotar. Condição terrível a de perceber sua arquitetura
interior, seu mundo, os instantes de seus dias, seus valores próprios, com o
olhar do Outro. Sobredeterminados, do princípio ao fim, em história, em
pensamentos, em vida cotidiana, em ideais (mesmo progressistas), em uma
armadilha de dependência cultural, de dependência política, de dependência
econômica, temos sido deportados de nós mesmos a cada palmo de nossa história
escritural. Isso determinou uma escrita para o Outro, uma escrita emprestada,
apoiada nos valores franceses, ou, em todo caso, fora desta terra, e que,
apesar de certos aspectos positivos, não fez senão manter em nossos espíritos a
dominação de um outro lugar... De um outro lugar perfeitamente nobre, bem
entendido, minério ideal a ser importado, em nome do qual romper a ganga do que
nós éramos. Todavia, contra uma apreciação polêmica, partidária, anacrônica da
História, queremos reexaminar os termos desse requisitório e promover homens e
fatos de nosso continuum escritural, uma inteligência
verdadeira. Nem complacente, nem cúmplice, mas solidária.
Em direção de uma
visão interior e a aceitação de si.
Nos primeiros
tempos de nossa escrita, essa exterioridade provocou uma expressão mimética,
tanto em língua francesa como em língua crioula. Inegavelmente, tivemos nossos
ourives do soneto e do alexandrino. Tivemos nossos fabulistas, nossos
românticos, nossos parnasianos, nossos neoparnasianos, sem mesmo falar nos
simbolistas. Nossos poetas se embriagavam em deriva bucólica, encantados por
musas gregas, vertendo copiosamente lágrimas de tinta de um amor não
correspondido pelas Vênus olímpicas. Havia, bradaram não sem razão os censores,
mais que um comércio cultural: a aquisição quase total de uma outra identidade.
Esses zumbis foram eliminados por aqueles que queriam se inscrever em seu
biótopo materno. Os que voltaram os olhos sobre si mesmos e nosso entorno, mas
também sob forte exterioridade, com os olhos do Outro. Eles viram em seu ser o
que a França via neles através de seus padres-viajantes, seus cronistas, seus
pintores ou poetas de passagem, ou por seus grandes turistas. Entre céu azul e
coqueiros, floresceu uma escrita paradisíaca, primeiro ingênua, depois crítica,
à maneira dos indigenistas do Haiti. Cantou-se a coloração cultural do aqui em
uma inscrição que abandonava a totalidade, as verdades então desvalorizadas do
que éramos. Foi, desesperadamente, aos olhos das apreciações militantes
posteriores, uma escrita regional, chamada de "doudouiste", pelicular:
outra maneira de ser exterior. Contudo, observando-se de perto, como aliás fez
Jack Corzani em sua Histoire de la littérature des
Antilles-Guyane (1), essa literatura (de René
Bonneville a Daniel Thaly, de Victor Duquesnay a Salavina, de Gilbert de
Chambertrand a Jean Galmot, de Léon Belmont a Xavier Eyma, de Emmanuel
Flavia-Léopold a André Thomarel, de Auguste Joyau a Paul Baudot, de Clément
Richer a Raphaël Tardon, de Mayotte Capécia a Marie-Magdeleine Carbet...) preservou
uma quantidade de mechas capazes de provocar faíscas em nossas obscuridades. A
melhor prova é a que nos forneceu o escritor martiniquense Gilbert Gratiant,
com sua monumental obra crioula: Fab Compè Zicaque (2). Visionário de nossa autenticidade,
ele situou de imediato sua expressão escritural nos pólos das duas línguas e
das duas culturas, francesa, crioula, que imantavam então a torto e a direito
as bússolas de nossa consciência. E se ele foi vítima, de certo modo, da
inevitável exterioridade, Fab Compè Zicaque não deixa de ser
uma extraordinária investigação do léxico, das expressões, dos provérbios, da
mentalidade, da sensibilidade, em uma palavra, da compreensão dessa entidade
cultural na qual tentamos hoje um mergulho salutar. Nós nomeamos Gilbert
Gratiant e vários escritores dessa época, preciosos conservadores (muitas vezes
inconscientemente) das pedras, das estátuas quebradas, da cerâmica de barro
desfeita, dos desenhos extraviados, das silhuetas deformadas: dessa cidade
arruinada que é o nosso fundamento. Sem todos esses escritores, teria sido
preciso efetuar esse retorno " ao País Nata l" sem
balizas nem apoios, sem mesmo essas lucíolas esparsas que nas noites azuladas
guiam a áspera esperança dos viajantes perdidos. E desconfiamos que todos, e
Gilbert Gratiant mais ainda, apreenderam suficientemente nossa realidade para
criar as condições de emergência de um fenômeno multidimensional que (totalmente,
portanto de maneira injusta, cominatória mas necessária, e por muitas gerações)
iria eclipsá-los: a Negritude .
A um mundo
totalmente racista, automutilado por suas cirurgias coloniais, Aimé Césaire
restituiu a África mãe, a África matriz, a civilização negra. Ao país, ele
denunciou as dominações e, com sua escrita, engajada, dinamizando-se como forma
de guerra, ele aplicou golpes severos aos pesados desdobramentos
pós-escravagistas. A Negritude cesairiana engendrou a adequação da sociedade crioula
a uma consciência mais justa dela mesma. Restaurando sua dimensão africana, pôs
fim à amputação que gerava um pouco da superficialidade da escrita por ela
batizada de "doudouiste".
Eis-nos intimados
a livrar Aimé Césaire da acusação - em eflúvios edipianos - de hostilidade à
língua crioula. Compreender por que, apesar do apregoado retorno "à
la hideur désertée de nos plaies" (3), Césaire não aliou densamente o
crioulo a uma prática escritural forjada nas bigornas da língua francesa, é com
isso que nos comprometemos. De nada serve levantar essa questão crucial, e
citar, em contraponto, a tentativa de Gilbert Gratiant, que se aplicou em
investir nas duas línguas de nosso ecossistema. É importante que nossa
reflexão, fazendo-se fenomenológica, remeta-se às raízes do fato cesairiano:
homem ao mesmo tempo de " iniciação " e de
" término ", Aimé Césaire teve, entre todos, o
terrível privilégio de, simbolicamente, reabrir e fechar com a Negritude o
círculo que encerra dois monstros tutelares: a Europeanidade e a Africanidade,
ambas exterioridades procedentes de duas lógicas adversas. Uma possuindo nossos
espíritos submissos à sua tortura, outra habitando nossas carnes povoadas por
seus estigmas, cada uma, à sua maneira, inscrevendo em nós suas chaves, seus
códigos e seus números. Não, elas não poderiam, essas duas exterioridades, ser
reduzidas à mesma medida. A Assimilação, através de suas pompas e obras da
Europa, obstinava-se a pintar nosso vivido com as cores do Outro Lugar. A
Negritude se impunha então como vontade firme de resistência determinada, antes
de tudo, a domiciliar nossa identidade em uma cultura negada, denegada e
renegada. Césaire, um anticrioulo? Não propriamente, mas um antecrioulo .
Foi a Negritude cesairiana que nos abriu passagem para o aqui de uma
Antilhanidade doravante postulável e ela própria em marcha na direção de um
outro grau de autenticidade que faltava nomear. A Negritude cesairiana é um
batismo, o ato inaugural de nossa dignidade restituída. Nós somos para sempre
filhos de Aimé Césaire.
Nós havíamos
adotado o Parnaso. Com Césaire e a Negritude tomamos pé do Surrealismo (4). Seria seguramente injusto considerar o
remanejamento por Césaire das "Armes miraculeuses" do Surrealismo
como um ressurgimento do bovarismo literário. Com efeito, o Surrealismo fez
explodir os casulos etnocentristas e constituiu em seus próprios fundamentos uma
das primeiras reavaliações da África operadas pela consciência ocidental. Mas,
que o olhar da Europa tivesse, em definitivo, de servir como intermediário à
ascensão do continente africano sepultado, é o que podia suscitar o risco de
uma alienação reforçada, da qual havia poucas chances de escapar a não ser por
um milagre: Césaire, em razão precisamente de seu gênio imenso, temperado no
fogo de uma linguagem vulcânica, jamais pagou tributo ao Surrealismo. A partir
desse movimento, ele tornou-se, ao contrário, uma das figuras mais
incandescentes, daquelas que não se saberia compreender fora de toda referência
ao substrato africano ressuscitado pelo poder operatório do verbo. Mas o
tropismo africano não impediu absolutamente Césaire de se inscrever muito
profundamente na ecologia e no campo referencial antilhano. E se o seu canto
não desabrochou em crioulo, não é menos verdade que sua língua, submissa a uma
leitura nova, particularmente em Et les chiens se taisaient 5
, se revela menos impermeável que o que se crê geralmente às emanações crioulas
dessas maternas profundezas.
A Negritude, salvo
o clarão profético da palavra, não expôs nenhuma pedagogia do Belo, e, de fato,
nunca teve esse projeto. Em verdade, a força prodigiosa que emanava dela
dispensava uma arte poética. O fulgor com que resplandecia, balizando com
sinais ofuscantes o espaço de nossas indecisões, esvaziou toda repetição (5)taumatúrgica em detrimento dos epígonos.
De maneira que, mesmo galvanizando nossas energias no ângulo de fervores
inéditos, a Negritude não remediou absolutamente nossa inquietação estética. É
possível mesmo que tenha, durante algum tempo, agravado nossa instabilidade
identitária, apontando-nos a síndrome mais pertinente de nossas morbidezas: o
exílio interior, o mimetismo, o natural do próximo vencido pela fascinação do
distante, etc, todas figuras da alienação. Terapêutica violenta e paradoxal, a
Negritude fez suceder a ilusão africana à da Europa. Originalmente votada à
aspiração de nos domiciliar no aqui de nosso ser, ela foi, às primeiras vagas
de seu desdobramento, marcada por uma espécie de exterioridade: exterioridade
de aspirações (a África mãe, África mítica, África impossível), exterioridade
da expressão da revolta (o Negro com maiúscula, todos os oprimidos da
terra), exterioridade da afirmação de si (nós somos Africanos)
6 . Incontornável momento dialético. Indispensável trajetória. Terrível desafio
o de sair disso para enfim construir uma nova síntese, ela mesma provisória,
sobre o percurso aberto da História, nossa história.
Epígonos de
Césaire, desenvolvemos uma escrita compro (6) metida, empenhada 7 no combate
anti-colonialista (7) , mas, em conseqüência, construída
também fora de toda verdade interior, fora da menor das estéticas literárias.
Com gritos. Com ódios. Com denúncias. Com grandes profecias e conceitos
eruditos. Nesse tempo, urrar era bom. Ser obscuro era sinal de profundidade.
Coisa curiosa, isso foi necessário e nos foi benéfico. Nós sugávamos isso como
uma teta de rum. E se isso nos liberava de um lado, acorrentava-nos de outro,
agravando nosso processo de afrancesamento. Pois nessa revolta negrista, se
contestávamos a colonização francesa, era sempre em nome de generalidades
universais pensadas à ocidental e sem nenhum apoio em nossa realidade
cultural (8). E, entretanto, a Negritude cesairiana
permitiu a emergência daqueles que iriam nomear o invólucro de nossa
mentalidade antilhana: abandonados em um impasse, alguns ultrapassaram a
barreira (como fez o escritor martiniquense Édouard Glissant), ou ficaram no
mesmo lugar (como fizeram muitos) a girar em torno da palavra Negro ,
a sonhar com um estranho mundo negro, a se alimentar de denúncias (da
colonização ou mesmo da Negritude) que levaram logo ao vazio, em uma escrita
verdadeiramente em suspensão (9), fora do solo, distante do povo,
distante do público leitor, fora de toda autenticidade, senão de maneira
incidente, parcial ou acessória.
Com Édouard
Glissant recusamos anos encerrar na Negritude, soletrando a Antilhanidade (10) que decorria mais da visão que do
conceito. O projeto não era somente abandonar as hipnoses da Europa e da
África. Era preciso também deixar em alerta a clara consciência das
contribuições de uma e de outra: em suas especificidades, suas dosagens, seus
equilíbrios, sem nada suprimir nem esquecer das outras fontes a elas
misturadas. Mergulhar então o olhar no caos desta humanidade nova que nós
somos. C ompreender o que é o Antilhano . Perceber o que
significa esta civilização caribenha ainda balbuciante e imóvel. Com Depestre,
abraçar esta dimensão americana, nosso espaço no mundo. Dando continuidade a
Frantz Fanon, explorar nosso real em uma perspectiva catártica. Decompor o que
nós somos, purificando o que somos pela exposição em pleno sol da
consciência dos mecanismos ocultos de nossa alienação. Mergulhar em
nossa singularidade, investir nela de maneira projetiva, aprofundar o que
somos... são palavras de Édouard Glissant. O objetivo era apreender essa civilização
antilhana em seu espaço americano, era preciso sair dos gritos, dos símbolos,
das cominações estrepitosas, das profecias declamatórias, dar as costas à
inscrição fetichista em uma universalidade regida pelos valores ocidentais, a
fim de entrar na minuciosa exploração de nós mesmos, feita de paciências, de
acumulações, de repetições, de insistências, de obstinações, onde se
mobilizariam todos os gêneros literários (separadamente ou na negação de suas
fronteiras) e o manuseio transversal (mas não forçosamente erudito) de todas as
ciências humanas. Um pouco como em escavações arqueológicas: o espaço estando
esquadrinhado, avançar por pequenos toques de pincel a fim de nada alterar ou
perder desse nós-mesmos escondido sob o afrancesamento.
Mas, não estando
demarcadas as vias de penetração na Antilhanidade, a coisa foi mais fácil de
dizer que de fazer. Giramos muito tempo em círculo, desvairados como cães
embarcados em um yole . Glissant mesmo não nos ajudava muito,
tomado por seu próprio trabalho, distanciado por seu ritmo, persuadido a
escrever para leitores futuros. Ficávamos diante de seus textos como diante de
hieróglifos, captando confusamente a vibração de um caminho, o oxigênio de uma
perspectiva. Subitamente, entretanto, com seu romance Malemort (pela
alquimia da linguagem, a estrutura, o humor, a temática, a escolha dos
personagens, a recusa das complacências) ele operou o singular desvelamento do
real antilhano. De seu lado, produzindo as primeiras germinações de uma
crioulística recentrada em suas profundezas nativas, o escritor haitiano
Frankétienne transformou-se em sua obra Dézafi , ao mesmo
tempo, no ferreiro e alquimista do "centro nervoso" de nossa
autenticidade: o crioulo recriado para e pela escrita. Portanto foram Malemort (11) e Dézafi (12) surpreendentemente aparecidos
no mesmo ano de 1975 - que, em sua interação deflagradora, permitiram, às novas
gerações, a movimentação do primeiro instrumento dessa tentativa de se
conhecer: a visão interior .
Criar as condições
de uma expressão autêntica supunha exorcizar o velho fatalismo da
exterioridade. Não ter sob a pálpebra senão as pupilas do Outro invalidava os
encaminhamentos, os procedimentos e os processos mais justos. Abrir os olhos
sobre si mesmo à maneira dos regionalistas não era suficiente. Dirigir o olhar
para essa cultura "fundacional-natal" a fim de não
privar nossa criatividade de seu essencial, à maneira dos indigenistas
haitianos, não era suficiente. Era preciso lavar os olhos: refazer a visão que
tínhamos de nossa realidade para nela surpreender o verdadeiro. Um olhar novo
que retiraria nosso natural do secundário ou da periferia a fim de reconduzi-lo
ao centro de nós mesmos. Um pouco desse olhar da infância, questionador de
tudo, que não tem ainda seus postulados e que interroga as evidências. Esse
olhar livre não precisa de auto-explicações ou de comentários. Ele não tem
espectadores exteriores. Ele emerge de uma projeção do íntimo e trata cada
parcela de nossa realidade como um acontecimento na perspectiva de quebrar sua
visão tradicional, dominada pela exterioridade e submissa aos sortilégios da
alienação... É nisso que a visão interior é reveladora, portanto
revolucionária (13). Reaprender a visualizar nossas
profundezas. Reaprender a olhar positivamente o que palpita à nossa volta. A
visão interior desfaz primeiro o velho imaginário francês que nos recobre, e
nos restitui a nós mesmos em um mosaico renovado pela autonomia de seus
elementos, sua imprevisibilidade, suas ressonâncias tornadas misteriosas. É uma
subversão interior e sagrada à maneira de Joyce. Vale dizer: uma liberdade.
Mas, tentando em vão exercê-la, percebemos que não podia haver visão interior
sem uma prévia aceitação de si. Poder-se-ia mesmo dizer que a visão interior é
resultante dela.
O afrancesamento
nos forçou a um autodenegrimento: destino comum dos colonizados. É muitas vezes
difícil distinguir aquilo que, em nós, poderia ser objeto de um encaminhamento
estético. O que achamos belo em nós mesmos é o pouco que o outro declarou belo.
O nobre está geralmente longe. O Universal também. Nossa expressão artística
foi sempre buscar inspiração no distante. E o que ela trazia do distante era
sempre guardado, aceito, estudado, pois nossa idéia do estético estava fora de
nós. Que vale a criação de um artista que recusa em bloco seu ser inexplorado?
Que não sabe o que ele é? Ou que dificilmente o aceita? E que vale a visão do
crítico que se encontra enredado nas mesmas condições? Nossa situação foi a de
dirigir um olhar exterior sobre nossa realidade recusada mais ou menos
conscientemente. Em literatura, mas também nas outras formas de expressão
artística, nossas maneiras de rir, de cantar, de andar, de viver a morte, de
julgar a vida, de pensar o azar, de amar e de falar o amor, foram mal
examinadas. Nosso imaginário foi esquecido, deixando esse grande deserto onde a
fada Carabosse secou Manman Dlo (14). Nossa riqueza bilíngüe recusada se
manteve em dor diglóssica. Algumas de nossas tradições desapareceram sem que
ninguém as examinasse (15) com a intenção de se enriquecer
com isso, e, mesmo nacionalistas, progressistas, independentistas, nós tentamos
mendigar o Universal da maneira mais incolor e inodora possível, isto é, na
recusa do próprio fundamento de nosso ser, fundamento que hoje, com toda a
solenidade possível, declaramos ser o vetor estético maior do conhecimento de
nós mesmos e do mundo: a Crioulidade .
A CRIOULIDADE
A Antilhanidade
não nos é acessível sem visão interior. E a visão interior não é nada sem a
total aceitação de nossa crioulidade. Nós nos declaramos Crioulos. Declaramos
que a Crioulidade (16) é o cimento de nossa cultura e que
ela deve reger as fundações de nossa antilhanidade. A Crioulidade é o agregado
interacional ou transacional dos elementos culturais caraíbas,
europeus, africanos, asiáticos e levantinos, que o jugo da história reuniu
sobre o mesmo solo. Durante três séculos, as ilhas e as áreas do continente que
este fenômeno afetou foram verdadeiras forjas de uma humanidade nova, onde
línguas, raças, religiões, costumes, maneiras de ser de todas as faces do
mundo, encontraram-se brutalmente desterritorializadas, transplantadas em um
contexto onde tiveram que reinventar a vida. Nossa crioulidade nasceu portanto
desse formidável "migan" que se tratou rapidamente de reduzir a seu
único aspecto lingüístico (17) ou a um só dos termos de sua
composição. Nossa personalidade cultural carrega ao mesmo tempo os estigmas
desse universo e os testemunhos de sua negação. Nós nos forjamos na aceitação e
na recusa, portanto no questionamento permanente, em total familiaridade com as
ambigüidades mais complexas, fora de todas as reduções, de toda pureza, de todo
empobrecimento. Nossa História é uma trança de histórias. Experimentamos de
todas as línguas, de todos os falares. Temendo esse desconfortável magma,
tentamos em vão fixá-lo em longínquos míticos (olhar exterior, África, Europa,
hoje ainda, Índia ou América) e procurar refúgio na normalidade fechada das
culturas milenares, sem saber que éramos a antecipação do contato das culturas,
do mundo futuro que já se anuncia. Somos, ao mesmo tempo, a Europa, a África,
alimentados de contribuições asiáticas, levantinas, indianas, e nos
constituímos também das sobrevivências da América pré-colombiana. A Crioulidade
é " o mundo difratado mas recomposto ", tempestade
de significados em um só significante: uma Totalidade. E achamos que não é
lamentável, no momento, não termos uma definição para ela. Definir, aqui,
entraria no domínio da taxidermia. Esta nova dimensão do homem, de que somos a
silhueta pré-figurada, mobiliza noções que nos escapam ainda. De maneira que,
tratando-se da Crioulidade, da qual só temos a intuição profunda, o
conhecimento poético, e no cuidado de não fechar nenhuma via de suas
possibilidades, dizemos que é preciso abordá-la como uma questão a
viver , a viver obstinadamente em cada luz e em cada sombra de nosso
espírito. Viver uma questão é enriquecer-se de elementos não presentes em sua
resposta. Viver a questão da Crioulidade, ao mesmo tempo em total liberdade e
em total vigilância, é enfim penetrar insensivelmente nas vastidões
desconhecidas de sua resposta. Deixemos viver (e vivamos!) a
vermelhidão desse magma .
Por causa de seu
mosaico constitutivo, a Crioulidade é uma especificidade aberta. Ela escapa
assim às percepções que não seriam elas mesmas abertas. Exprimi-la é expressar
não uma síntese, não simplesmente uma mestiçagem, ou qualquer outra unicidade.
É exprimir uma totalidade caleidoscópica (18), isto é, a consciência não totalitária
de uma diversidade preservada. Decidimos não resistir a suas multiplicidades
assim como o jardim crioulo não resiste às formas dos inhames que crescem nele.
Viveremos seus desconfortos como um mistério a considerar e a elucidar, uma
tarefa a cumprir e um edifício a habitar, um fermento e um desafio para a
imaginação. Nós a dimensionaremos como referência central e como deflagração
sugestiva a organizar esteticamente. Porque ela não é um valor em si; para ser
pertinente, sua expressão deve se comprometer com um desempenho estético
acabado. Nossa estética não poderá existir (ser autêntica) sem a Crioulidade.
A Crioulidade é
uma aniquilação da falsa universalidade, do monolingüismo e da pureza.
Encontra-se na crioulidade o que se harmoniza com o Diverso em
direção do qual Victor Segalen teve seu formidável ímpeto. A Crioulidade é
nossa sopa primitiva e nosso prolongamento, nosso caos original e nosso
manguezal de virtualidades. Nós nos debruçamos sobre ela ricos de todos os
erros e fortes da necessidade de nos aceitar complexos. Porque o próprio
princípio de nossa identidade é a complexidade. Explorar nossa crioulidade deve
se efetuar em um pensamento tão complexo quanto a Crioulidade. O desejo de uma
clarificação a partir de duas ou três leis da normalidade, nos fez nos
considerarmos a nossos próprios olhos como seres anormais. Ora, o que parecia
tara pode se revelar como a indefinição do novo, a riqueza do jamais visto. Por
isso parece que, no momento, o pleno conhecimento da Crioulidade será
reservado à Arte , à Arte absolutamente. Será o preâmbulo de nossa
afirmação identitária. Mas é claro que a Crioulidade tem vocação para irrigar
todas as nervuras de nossa realidade, para tornar-se pouco a pouco o seu
princípio motor. Nas sociedades multirraciais como as nossas, faz-se urgente
que se saia das habituais distinções raciológicas e que se retome o hábito de designar
o homem de nossos países com o único vocábulo que lhe convém, qualquer que seja
sua compleição: Crioulo. As relações sócio-étnicas no seio de nossa sociedade
deverão doravante se dar sob o selo de uma crioulidade comum, sem que isso
oblitere o mínimo possível as relações ou os confrontos de classe. Em
literatura, o reconhecimento agora unânime, em nossos países, do poeta
Saint-John Perse como um dos filhos mais prestigiosos da Guadalupe - e isso
apesar de sua pertença à etnoclasse béké - corresponde seguramente
a um avanço da Crioulidade nas consciências antilhanas. Isso é motivo de
júbilo. Igualmente, em arquitetura, em arte culinária, em pintura (19) , em economia (como as Seychelles
nos dão o exemplo), em arte indumentária, et caetera , as
dinâmicas da Crioulidade aceita, questionada, exaltada, parecem-nos o caminho
real para a assunção de nós mesmos.
Convém distinguir
Americanidade, Antilhanidade e Crioulidade, conceitos que, a primeira vista,
poderiam parecer recobrir as mesmas realidades. Primeiramente, os processos
sócio-históricos que produziram a americanização não são da mesma natureza que
os que entraram na Crioulização. Com efeito, a americanização e portanto o
sentimento de americanidade que daí decorre, descreve a adaptação progressiva
de populações do mundo ocidental às realidades naturais do mundo que elas
batizaram de novo. E isso, sem interação profunda com outras culturas. Assim os
Anglo-Saxões que formaram as treze colônias, embrião do futuro estado
americano, desdobraram sua cultura em uma nova paisagem quase virgem,
levando-se em conta o fato de que, encurralados em reservas, massacrados, os
indígenas peles-vermelhas praticamente não influenciaram sua cultura original.
Da mesma maneira, ficando relativamente fechados nas tribos que aí residiam, os
Negros Boni e Saramaka das Guianas se americanizaram ao contato da floresta
amazônica. Assim também os Italianos que chegaram em massa na Argentina no
século XIX, ou os Indus que substituíram os antigos escravos negros nas
plantações de Trinidad adaptaram sua cultura original à das novas realidades
sem entretanto modificá-la completamente. A americanidade é portanto,
em grande parte, uma cultura emigrada , em um esplêndido isolamento.
Totalmente outro é
o processo de crioulização, que não é próprio somente do continente americano
(isso não é portanto um conceito geográfico) e que designa a entrada em contato
brutal, em territórios insulares, ou encravados, - fossem eles imensos como a
Guiana e o Brasil -, de populações culturalmente diferentes: nas Pequenas
Antilhas, Europeus e Africanos; nas Mascarenhas, Europeus, Africanos e Índios;
em certas regiões das Filipinas ou no Havaí, Europeus e Asiáticos; em Zanzibar,
Árabes e Negro-Africanos, etc. Reunidos em geral no seio de uma economia de
plantações, essas populações são intimadas a inventar novos esquemas
culturais permitindo estabelecer uma relativa coabitação entre elas .
Esses esquemas resultam da mistura não harmoniosa (e não acabada, portanto não
redutora) das práticas lingüísticas, religiosas, culturais, culinárias,
arquiteturais, medicinais, etc, dos diferentes povos em contato. Bem entendido,
existem crioulizações mais ou menos intensas, conforme todos os povos em contato
sejam exógenos como nas Antilhas ou nas Mascarenhas, ou que um dentre eles seja
autóctone como nas ilhas do Cabo Verde ou no Havaí. A Crioulidade é portanto o
fato de pertencer a uma entidade humana original que a termo emerge desses
processos. Existe portanto uma crioulidade antilhana, uma crioulidade
guianense, uma crioulidade brasileira, uma crioulidade africana, uma
crioulidade asiática e uma crioulidade polinésia, bastante dessemelhantes entre
elas mas oriundas da matriz da mesma tormenta histórica. A Crioulidade engloba
e finaliza portanto a Americanidade uma vez que ela implica o duplo processo :
- de
adaptação dos Europeus, dos Africanos e dos Asiáticos no Novo Mundo ;
- de
confrontação cultural entre esses povos no seio de um mesmo espaço, chegando à
criação de uma cultura sincrética dita crioula .
Não existe
evidentemente uma fronteira estanque entre as zonas de crioulidade e as de
americanidade. Em um mesmo país, elas podem se justapor ou se interpenetrar:
assim, nos U.S.A., a Luisiânia e o Mississipi são em grande parte crioulos,
enquanto que a Nova-Inglaterra, onde no início só viveram os Anglo-Saxões, é
americana. Todavia, após a abolição da escravidão e a ida dos Negros para o
Norte, e com a chegada de Italianos, Gregos, Chineses e Porto-riquenhos, ao
longo do século vinte, pode-se legitimamente pensar que se reuniram condições
para que um processo de crioulização esteja atualmente em curso na
Nova-Inglaterra.
Crioulidade e
Americanidade assim distintas, que é feito da relação da Antilhanidade e
da Crioulidade ? A Antilhanidade designa, a nossos olhos,
somente o processo de americanização de Europeus, de Africanos e de Asiáticos
através do arquipélago antilhano. Por esse fato, ela é, por assim dizer, uma
província da Americanidade a exemplo da Canadianidade ou da Argentinidade. Ela
omite, com efeito, que houve, em certas ilhas, mais que a simples
americanização, um fenômeno de crioulização (e portanto de crioulidade). Por
exemplo, zonas inteiras do Norte de Cuba só conheceram uma americanização de
colonos andaluzes, galegos ou canarianos, sem nenhuma crioulização. Em certas
regiões canavieiras de Trinidad, a cultura hinduista se adaptou simplesmente a
um contexto novo sem se crioulizar verdadeiramente, contrariamente ao bondyékouli das
Pequenas Antilhas, que é um culto crioulo de base hinduista. O conceito de
Antilhanidade nos parece então primeiro geopolítico. Dizer
"antilhano" não revela nada da situação humana dos martiniquenses,
dos guadalupenses, ou dos haitianos. Os Crioulos que somos são tão próximos,
senão mais próximos, antropologicamente falando, dos seychelenses, dos
mauricianos ou dos reunionenses que dos portoriquenhos ou dos cubanos. Ao
contrário, há relativamente poucas coisas em comum entre um seychelense e um
cubano. Nós, antilhanos crioulos, somos portanto portadores (como indica o
esquema abaixo) de uma dupla solidariedade:
- de uma
solidariedade antilhana (geopolítica) com todos os povos de nosso Arquipélago,
quaisquer
que sejam nossas
diferenças culturais: nossa Antilhanidade ;
- de uma
solidariedade crioula com todos os povos africanos, mascarenhos, asiáticos e
polinésios que partilham das mesmas afinidades antropológicas que nós: nossa
Crioulidade ...
(1)Éditions Désormeaux, 1978.
(2)Éditions Horizons Caraïbes, 1958.
(3)3 "à feiúra desertada de nossas
chagas"
(4)"O surrealismo aparecia
'positivamente' anunciando: uma contestação da sociedade ocidental, uma
liberação verbal, um poder de escândalo [...], 'negativamente' como fator de
passividade (André Breton como mestre), lugar de referências leves (a vida, o
fogo, o poeta), ausência de pensamento crítico no social, crença no homem de
eleição. Sublinhou-se a relação dos poderes do imaginário, do irracional, da
loucura, com os poderes negros do 'elementar' ( Tropiques ).
Mas sustentou-se a opinião de que o surrealismo tende a reduzir as
'particularidades' e a especificidade, que ele tende a rasurar pela simples
negação o problema racial, que ele manteria então paradoxalmente (e por generalização,
generosa mas abusiva) uma tendência ao eurocentrismo". É. Glissant, Le
Discours antillais , Seuil, 1981.
(5)O vernacular em Et les chiens se
taisaient de Aimé Césaire, Cf os trabalhos em curso
de Annie Dyck. Tese de doutorado na Universidade das Antilhas e da Guiana.
(6)O que voltava, de fato, a se colocar no
exterior da dimensão negra de nosso ser crioulo. Mas que felicidade, na época,
a de se encontrar uma alma mais conforme às dominantes de nossa tipologia !...
Foi a época em que muitos de nossos criadores, de nossos escritores,
voltaram-se para a África acreditando partir ao encontro deles mesmos...
(7)Engajamento que, em definitivo, era uma
das manifestações da exterioridade : "A maioria das pessoas interrogadas
sobre a literatura no Haiti requer do autor haitiano um engajamento; poucas
dentre elas leram efetivamente ao menos uma só das obras dessa literatura. E
apesar dos esforços dos escritores, muito pouca coisa mudou no Haiti graças a
eles. A comunicação é continuamente rompida por falta de leitores: por que
nessas condições o escritor não modifica o teor de seu texto, ou não abandona
simplesmente esse meio? Uma só resposta se impõe: o escritor cede às demandas
do mundo literário exterior escolhendo adotar formas de expressão reconhecidas.
Cede igualmente às necessidades de um público que exige dele ocupar-se de seus
problemas. Mas fracassa dos dois lados porque não é nem reconhecido nem ouvido
por seus compatriotas... " U. Fleishmann, Écrivain et société en
Haïti . Centre de recherches Caraïbes, 1976.
(8)Essa revolta seguia-se talvez a uma
argumentação dos colonialistas do seguinte tipo: Antes de nossa chegada não
havia senão uma ilha e alguns selvagens. Somos nós que levamos vocês para lá.
Lá não havia nenhum povo, nenhuma cultura, nenhuma civilização estabelecida que
nós tivéssemos colonizado. Vocês não existem senão pela colonização, então onde
fica a colonização?...
(9)"De uma maneira geral, a literatura
de uma sociedade veicula modelos segundo os quais uma sociedade se apreende e
se julga. Em princípio ao menos, esses modelos sustentam a ação de indivíduos e
grupos e a levam a se conciliar com as imagens que eles traçam. Mas para isso é
preciso que exista uma coerência entre os modelos ideais e a realidade, isto é,
que esses devem ao menos parcialmente poder se atualizar no tempo e espaço
acessíveis. A emergência de uma literatura comprometida está em relação com a recusa
da realidade atual de uma sociedade: solicitado pelo público, o escritor
expressa modelos que devem guiá-lo na apreensão de uma nova realidade. O
escritor haitiano (...) trabalha seu ideal a partir da antiga metrópole, ou de
uma outra sociedade, a ponto de se identificar totalmente com ela. Para que a
realidade haitiana se torne acessível a ele, seria preciso que ela se
transformasse até se assemelhar a essa outra realidade. Esse divórcio entre o
cotidiano e o ideal sonhado impede então que os modelos tenham um impacto sobre
a realidade." U. Fleishmann, op. cit.
(10)10 "Era em uma conferência de
Daniel Guérin, explica É. Glissant, pronunciada diante de estudantes da
Associação geral dos estudantes martiniquenses, em 1957 ou 1958. Daniel Guérin
que acabava de falar de uma Federação das Antilhas em sua obra Les
Antilles décolonisées , se surpreendeu entretanto com esse neologismo
que supunha mais que um acordo político entre países antilhanos." In Le Discours
antillais , op. cit .
(11)Malemort . É. Glissant, Seuil, 1975.
(12)Dézafi . Frankétienne, Éd. Fardin, Port-au-Prince, 1975.
(13)"Primeiros levantados que fareis
cair de vossa boca a mordaça de uma inquisição insensata -qualificada de
conhecimento – e de uma sensibilidade esgotada, ilustração de nosso tempo, que
ocupareis todo o terreno em proveito da única verdade poética constantemente em
luta com a impostura, e indefinidamente revolucionária, a vós." René Char, Recherche de la base et du sommet.
Bandeau des matinaux . Gallimard, 1950.
(14)Mãe d'Água.
(15)A ação folclórica é, do ponto de vista
da simples conservação de elementos do patrimônio, absolutamente necessária.
Homens como Loulou Boislaville e outros foram para isso determinantes.
(16)A palavra crioulo viria do espanhol
"criollo", ele mesmo resultante do verbo latino "criare"
que siginifica "criar, educar". O Crioulo é aquele que nasceu e foi criado
nas Américas sem ser originário delas como os Ameríndios. Bem depressa, esse
termo designou todas as raças humanas, todos os animais e todas as plantas que
foram transportadas para a América a partir de 1492. Disseminou-se então um
erro nos dicionários franceses a partir do começo do século dezenove, que
reservaram o termo "Crioulo" somente aos Brancos crioulos (ou Béké).
Qualquer que seja, a etimologia é, como se sabe, um terreno minado e portanto
pouco seguro. Não há pois nenhuma necessidade de se referir a isso para abordar
a idéia de Crioulidade.
(17)O crioulo se apresenta como o melhor
dado que permite, de maneira evolutiva e dinâmica, enquadrar a identidade dos
Antilhanos e dos Guianenses. É que, para além das línguas e das culturas
crioulas, há uma matriz (bway) crioula que, no plano do
universal, transcende sua diversidade. Charte culturelle créole .
GEREC 1982.
(18)Desse ponto de vista, a abordagem do
GEREC é interessante : "A Crioulidade confronta todos os
"mundos-passados" para construir o futuro sobre bases transraciais
e transculturais (...). Não somente um feixe de culturas, a Crioulidade
é a expressão concreta de uma civilização em gestação. Sua gênese agitada e
áspera está em obra em cada um de nós (...). A Crioulidade é um pólo magnético
na imantação do qual somos intimados - menos a perder nossa alma - a regular
nossa reflexão e nossa sensibilidade. Seu aprofundamento, em todos os níveis e
sobre todos os planos do comprometimento individual e social, deveria permitir
a nossas sociedades cumprir sua terceira grande ruptura , e
dessa vez não nos moldes da exclusão, mas no modelo comunitário... " Charte
culturelle créole , GEREC, op. cit.
(19)O pintor martinicano José Clavot
demonstrou durante um colóquio consagrado à Lafcadio Hearn (em 1987) que
poderia haver uma percepção crioula da gama cromática, o que fundaria uma
estética pictural crioula.
Fonte: http://www.ufrgs.br/cdrom/chamoiseau/index.htm
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