Por: Lareitov Cândido
Reza a lenda que é no trauma, no
momento de pânico, no aperto que muita gente se liga em coisas, que na maioria
das vezes parecem óbvias. Na verdade não é tão simples assim. Se fosse simples
não seria tão traumático. Enfim, vamos a ideia principal...
Vou colocar um fato aqui para
iniciar a provocação. Recepção de calouros em uma universidade qualquer pelo
Brasil afora, no auditório calouros da área da saúde (medicina, farmácia...), e
calouros de cursos de licenciatura (história, geografia, letras...), lá pelas
tantas o reitor convida um calouro de cada curso para fazer uma fala. O calouro
do curso de medicina pede a palavra e diz: - eu entrei para a medicina porque
quero ser rico, quero ganhar dinheiro! O auditório vem abaixo em vaias..., ele
olha para os alunos das licenciaturas, sem nenhum constrangimento ou
demonstrando embaraço, retruca: - estão
vaiando por quê? Porque vocês vão ser professor, e ser pobres? Enfim, é um
exemplo, mas é um exemplo que diz muito sobre o momento atual de nosso país, de
nossa educação... Não faz muito tempo que comecei a dar-me conta do estrago que
a pobreza faz no cérebro e na vida das pessoas. Aqui deixo livre para o leitor
pensar na pobreza da forma que quiser: falta de cultura; falta de determinação;
falta de espírito de cooperação; falta de educação; falta de dinheiro...,
ficamos com a última para minha provocação. De modo que a falta de dinheiro que
vou me referir, é justamente aquela que leva o indivíduo a não ter acesso a dignidade
que é garantido por Lei. Está na constituição: Direito de ir e vir, direito a
comer, direito a estudar, direito de ser livre, direito de ter opinião...,
enfim, é aqui que o bicho pega. Deparo-me diariamente com debates, discussões,
argumentos e contra-argumentos, produção cientifica, refutação científica...,
uma vida intelectual vibrante, viva, dialética, em busca de um mundo melhor, de
um mundo mais humano, de uma sociedade que faça jus ao seu status de sociedade
humana... Acontece, que nos últimos anos tenho me deparado com afrontamentos,
que de início, tive a sensação que eram coerentes, que tinham sentido dentro de
um mundo democrático. Ouvindo meus colegas de trabalho, percebo que não sou o
único que está percebendo o aumento da dificuldade de se estar em uma sala de
aula. Alunos, de todos os níveis acadêmicos, afrontam professores com
argumentos retirados de site de blogueiros. É isso mesmo. As pessoas assistem
um pequeno vídeo de 10 a 20 minutos sobre determinado assunto, e saem cheios de
razão para cima de professores, ou qualquer pessoa que debata e tolere. Em sala
de aula, ouço um aluno dizer que é simpatizante do neonazismo, e a opinião dele
tem que ser respeitada! Ouço pessoas dizerem que são contra homossexuais,
odeiam negros, são contra cotas – porque está tirando sua vaga na sociedade, e
todos tem que aceitar sua opinião! Ouço reacionários/moralistas dizerem que no
tempo dele é que as coisas eram certas, ou que no seu tempo não era essa
baderna que é hoje, e que essa é sua opinião e ninguém muda! Ouço jovem dizer, que
é da igreja e tem assuntos que não se devem ser discutidos na escola, como:
política, religião, gênero, sexualidade..., e essa é sua opinião e tem que ser
respeitada...!
Termino, mas termino afirmando
que não devo aceitar opinião de reaça/moralista; que não preciso aceitar ponto
de vista de fascistas, de religiosos extremistas, de aluno que busca seus
argumentos em vídeos de blogueiros. Preciso é fazer meus alunos entenderem que
devemos compreender em que Estado vivemos; que deveres e direitos temos que
assumir e cumprir; que uma sociedade só será respeitada, quando seus cidadãos,
todos, não só os da medicina, tiverem dignidade (inclusive os da área da saúde).
Pois a pobreza deixa um tipo de tormento no cérebro que fica o tempo todo
criando uma sensação de que você não deveria estar ali; de que as coisas que
você faz não tem sentido. Só assim para eu conseguir entender o pedido de
intervenção, num povo que nunca atingiu a dignidade (a CF 88 tentou trazer essa
dignidade, já estão atacando para que ela caia) para realmente sentir o que é
ser livre.
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