Reflexão sobre globalização e interdisciplinaridade: entre os limites do discurso e a práxis











Por: Danilo Barbosa de Arruda

 

O espaço público de discussão e a necessidade de uma nova era de pactos em torno dos direitos humanos, direito à vida, da reafirmação da pluralidade de ideias, da dignidade da pessoa humana, do Estado democrático de Direito e da própria condição de manutenção da existência humana na Terra são interpelados pelo processo de globalização. Assim, a interdisciplinaridade e a dimensão da racionalidade ambiental e da vida colocam a importante discussão acerca do marco teórico que abrange as consequências e implicações das dinâmicas políticas, econômicas,  ecológicas e tecnológicas no contexto desse século, pois vislumbra um porvir que pode ratificar o establishment ou retificá-lo.

Trazer à lume um arcabouço dessa magnitude é tarefa árdua para muitos estudiosos da temática e, por serem pioneiros, são os expoentes que tentam delinear a trajetória da humanidade para que se constitua enquanto espécie viva nos séculos vindouros. Viceja na modernidade (pós) para alguns que vivem nela e podem ser considerados cidadãos globais, a inserção da construtivista participação social dos que estão à margem desse processo excludente, que divide, separa, torna invisível quem está fora do circuito socioeconômico.

            Conforme Queiroz (2012), a participação social no processo democrático para alcançar os objetivos traçados nas leis brasileiras depende da interação social e do poder de (auto)crítica desses cidadãos. A conceituação de elementos basilares na sua integralidade, a exemplo do significado político e simbólico de vida, infância, juventude, velhice, limites e alcance da ciência, ética, provocam a reavaliação da interação entre sujeito, comunidade, público e privado:

 "O que torna o homem um ser/animal político é a sua capacidade de participar das decisões políticas oriundas da sociedade. O não participar implica no inútil conformismo que estanca uma gestão democrática e cidadã, pois dão espaço para que outros, muitas vezes mal intencionados, respondam pela coletividade, acarretando enormes danos para toda a sociedade. “[...] a omissão de muitos impede que se tenha um sistema democrático.” (DALLARI, 1999). Em se tratando de cidadania ecológica esse argumento é procedente. Não adianta pensar em gestão democrática dos recursos naturais e de toda questão social que envolve esse tema, sem a inclusão de todos no processo. Muitas vezes as discussões ficam isoladas e isso não ressoa, portanto, não ganha vida, não possui capilaridade, uma vez que as pessoas não conseguem se enxergar como co-participantes do processo."

 

Os direitos e deveres da sociedade civil organizada dependem do despertar individual e coletivo da revisão dos conceitos caros à humanidade: liberdade de expressão, dignidade da vida humana, tolerância, solidariedade, autonomia, respeito às diferenças, pluralidade, bens essenciais para a inclusão e vivência entre sujeitos políticos. Some-se a isto o reconhecimento estatal e a feitura de políticas públicas que fomentem o desenvolvimento das reais necessidades populares, seus interesses e anseios de curto, médio e longo prazos. Há uma convergência dos textos adiante para a temática da globalização, já que ela envolve a transdisciplinaridade e requer uma visão que possa contemplar a complexidade da era pós-moderna.

Para tanto a elaboração do ambiente humano, transformado, alterado e construído para satisfação dos deleites da civilização, ratificando o projeto neoliberal e a consequente globalização não apenas de serviços, comércio, mercadoria, tecnologia e mercados financeiros, fragmentando ainda mais a teia da vida e realimentando as desigualdades, exclusões, migrações em massa, crise ambiental e caos social. Nessa toada, LEONARDI (...) aduz que:

"Quando se reconhece que a sociedade global, em suas configurações e em seus movimentos, envolve outra realidade histórica, geográfica, antropológica, política, econômica, social, cultural, religiosa, lingüística, então temos que perguntar como essa nova realidade influi, e se expressa, na sociedade nacional. É como se a sociedade global fosse um todo abrangente, complexo e contraditório, subsumindo formal ou realmente a sociedade nacional. É claro que a sociedade global não se constitui autônoma, independente, alheia à nacional, que continua a existir, com seus dilemas, símbolos, povo, território. Mas mudam os seus significados (LEONARDI, 1994, p.120)."

 

Assim, fica mais nítido que a globalização transpassa todas as barreiras civilizacionais e a ciência tem um papel premente nas diretrizes que o Estado, iniciativa privada e demais atores sociais podem ter enquanto sujeito político. A mudança e transformação que cabem aos ditames da epistemologia podem trazer uma nova lógica e dar uma tônica diferenciada para a sustentabilidade planetária ou perpetuar o sistema econômico e as assimetrias sociais, culturais, ambientais, econômicas e territoriais decorrentes dele.

No mesmo sentido, Zygmunt Bauman adverte que o capitalismo se reinventa e seduz, desperta desejo, consumismo e mercantiliza as relações sociais e tudo que possa ter valor e ser tomado como mercadoria, serviço ou produto. O mundo na era da globalização não é mais sólido, se tornou líquido e toma a forma que achar mais producente e for conveniente. Nesse mote, a mobilidade social, vem consubstanciada como a robustez do capitalismo num ano em que migrações em massa de países africanos e do oriente médio para Europa e de países pobres da Ásia para os Tigres Asiáticos e economias em expansão. Um chamariz desse glamour da urbanização é medido pela desigualdade socioeconômica, inerente ao sistema. Afinal, para existir bilionários e milionários muitos persistirão na miséria e exclusão socioambiental (BAUMAN, 1998).

Mediante o exposto acima, nota-se uma mudança central que houve no pensamento epistemológico e inclui uma contrapartida do papel ideológico da ciência na modernidade. A construção desse futuro requer uma profunda análise de passado, presente e futuro que se quer alcançar. Traçar metas e rumos que sejam exequíveis e atinar para o compartilhamento de todos os seres envolvidos num objetivo de manter as condições de habitabilidade da Terra (LEFF, 2010, p.163).

Tecer comentários e fazer uma análise da conjuntura atual acerca desses assuntos que permeiam a academia nutre uma dimensão simbólica do poderio da ideologia e do conceito que se capilarizou a respeito do que é desenvolvimento. Afinal, é a partir de teorias e seu exercício contínuo que a práxis torna tangível a ideia conceitual do que vem a ser desenvolvimento. A história é cíclica e o mercado se une à política, cultura, visando manter o status quo. O desenvolvimento não é estático e dentro dele estão variáveis e graus que envolvem diversos fatores para se complementar. A crise, ou as crises, pelas quais a humanidade atravessa no corrente ano são condizentes com a espiral comportamental de regressão, evolução, dado o tempo e espaço que são funcionais para, ardilosamente, perpetuar o sistema tal como está posto:

 "O subdesenvolvimento não é somente uma herança do atraso. É também produto da implantação forçada do modelo de desenvolvimento ocidental fora das condições históricas, culturais, tecnológicas, que foram aquelas do desenvolvimento ocidental, modelo abstrato e imposto, modelo tecnoburocrático, que não vê senão a máquina industrial e jamais o homem, cuja competência prévia é necessária para as máquinas e cuja cultura prévia não pode se adaptar ao universo técnico-cronometrado. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento do subdesenvolvimento das favelas,  da desocupação e do desenraizamento de milhões de africanos, asiáticos e sul-americanos, é o produto direto ou indireto do desenvolvimento das zonas industriais avançadas (MORIN, 2010, p.27)".

Nesse diapasão, é salutar o entendimento e diálogo para se fazer novas conexões que possam abrir caminhos alternativos que não venham convergir para a ótica do projeto neoliberal de mercantilização da vida human e demais seres vivos, pois todas as formas de vida coabitam o mesmo planeta Terra. A compreensão de que a globalização é um processo complexo e não apenas econômico, que leva a dicotomias entre pobreza e riqueza, inclusão e exclusão, mercadoria e consumo ou direitos e sociedade, democracia ou plutocracia são pontos chave para chegar num consenso de que o mundo está em crise estrutural e não adiantam medidas paliativas quando se trata de sobrevivência e dignidade.

Ser incisivo em outridade, na alteridade e na fraternidade que é mais que solidariedade, conforme Edgar Morin, sendo a chave para o novo milênio implementar uma verdadeira política civilizatória. A interdisciplinaridade, está consubstanciada no todo, ao mesmo tempo, nas partes e na coletividade que em suas diferenças, semelhanças, chegam ao todo. Esse fluir de ideias e convergências podem se articular para moldar um amanhã diferente, fulcrado nos elementos mais simples e poéticos de um ser humano holístico e flexível.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Zahar, 1998.

LEFF, Enrique. Discursos Sustentáveis. Cortez, 2010.

LEONARDI, Maria Lúcia Azevedo. A SOCIEDADE GLOBAL E A QUESTÃO AMBIENTAL. Disponível para acesso em: https://drive.google.com/file/d/0B3SPz6q4Alv2N3JLdWowNHp6WGc/view

MORIN, Edgar. Para onde vai o mundo? Vozes, 2010.QUEIROZ, Iala S. Ambientalismo, Desenvolvimento Social e Governança Global: Construção de Diálogos Socioambientais entre os Principais Atores das Relações Internacionais. Disponível para acesso em: http://www.anppas.org.br/encontro6/anais/gt15.html


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