Gênio feminino, ou sobre como nos tornamos quem pensamos que somos.


Por: Guilherme Orestes Canarim e Diego Quadras de Bem.


Talvez resumo: este ensaio é uma especie de leitura do texto "Por que não houve grandes mulheres artistas?" de Linda Nochlin. Tradução: Juliana Vacaro. São Paulo, maio de 2016.

Filosofa e historiadora da arte norte-americana, Linda Nochlin emergiu na segunda metade do século xx como a primeira historiadora da arte feminista. Fez-se notar pelo seu constante trabalho em re-significar a posição das mulheres artistas na histórica da arte e na contemporaneidade.

Em seu ensaio Porque não houve grande mulheres artistas, Linda Nochlin busca elaborar a problemática da “questão feminina”, respondendo à pergunta do titulo. Neste ínterim, da construção de um argumento que aborde o lugar das mulheres no âmbito da arte, ela põe em perspectiva algumas metodologias da história da arte, bem como as implicações narrativas destas, alem de propor uma critica de fundo ao pressuposto do gênio artista recorrente em algumas destas metodologias.

No seu texto ela apresenta de forma dialética e bastante contundente alguns dos aspectos centrais de uma leitura atualizada do conceito da discussão sobre a questão da presença ou invisibilidade das mulheres artistas, discussão essa que segundo ela poderia seguir dói caminho paralelos, um deles de “mostrar a importância do negligenciado ou do gênio menor”  e o outro de modificação do quadro de referencias a partir do qual se analisa a produção artística, colocando assim algumas novas categorias em jogo ou ainda re-estabelecendo os conteúdos  de outra mais antigas. Deste modo ela começa acompanhando a filosofia francesa contemporânea reelaborando a pergunta antes de avançar para a analise propriamente dita do campo no qual a questão se mostra como possibilidade.

Para Nochlin, é mais difícil unificar a produção artística feminina por meio de algum traço estilístico especificamente feminino, de acordo com ela historicamente “Em todas as instâncias, mulheres artistas e escritoras parecem estar mais perto de outros artistas e escritores de seu próprio período e perspectiva do que delas mesmas.” Assim se esboça um horizonte mais amplo, no qual a autora observa que esta dificuldade de unificação, se apresenta não apenas pela diversidade dos temas, estilos e profundidade psicológica, alem do tamanho ou a rudeza ou aspereza das obras em cada período, mas também pela ampla interação deste elementos em trabalhos masculinos e femininos.

Deste modo a questão muda de foco, pois, se não é possível estabelecer um critério externo as obras que se apóia apenas na condição feminina ou masculina do artista, porque estas são produção sócio-históricas que implicam, alem de outras coisas, no uso de um conjunto de marcadores simbólicos e de referências estéticas, que instituem e continuamente reiteram as fronteiras da fruição  e suas condições de possibilidade. Por outro lado também não se pode encontrar o seu oposto, elementos objetivamente masculinos ou femininos nas próprias obras, em razão de que a obra fica dependente daquele conjunto de marcadores simbólicos, e das condições de se compreenderem os elementos veritativos que articulam no seu entorno, compreensão esta que poderia apontar para as camadas mais internas ou subterrâneas do conceito no qual ela foi elaborada.

Então segundo ela, o caso talvez não esteja exatamente na localização ou identificação de artistas ou obras femininas, mas na perigosa aproximação da noção de feminilidade com a compreensão do senso comum do que seja arte, que pensa nesta como uma tentativa de “tradução da vida pessoal em termos visuais”.

Desta maneira a autora segue sua critica discutindo outros aspectos sociopolítico e socioeconômicos, que passam pela reprodução histórica das condições de manutenção do poder instituídas pelo patriarcado, pelos arcabouços teóricos que dão suporte para as praticas sociais e a formação dos mecanismo que animam as instituições sociais por mio das quase a desigualdade constitutiva da civilização ocidental se perpetua, no dizer dela: "Dessa maneira, a questão da igualdade das mulheres, na arte ou em qualquer outro campo, não recai sobre a relativa benevolência ou a má intenção de certos homens,ou sobre a autoconfiança ou “natureza desprezível” de certas mulheres, mas sim na natureza de nossas estruturas institucionais e na visão de realidade que estas impõem sobre os seres humanos que as integram.(p.12)"

 

Isso indica que, do ponto de vista dela, a pergunta sobra a presença ou não das mulheres, ou ainda sobre a existência ou não de grandes artistas mulheres se posiciona num panorama mais amplo de interpretações superficiais, falsas concepções que se baseia em uma grande quantidade de ideias duvidosas sobre a natureza da arte e sobra as características das habilidades humanas e ainda como a ordem social engendra tudo isso.

No âmbito da compreensão histórica dos fenômeno sociais que ensejam a pratica artística a autora aponta para a questão da ideia do gênio criador como elemento que aglutina entorno de si muitos deste mal-entendidos, segundo ela: "Por trás da maioria das mais sofisticadas pesquisas sobre grandes artistas, mais especificamente a monografia de história da arte que aceita a ideia do grande artista em primeiro plano e as estruturas sociais e institucionais nas quais ele tenha vivido e trabalhado como meras influências secundárias ou apenas pano de fundo, se esconde a ideia do gênio que possui, em si, todas as condições para o êxito próprio. Partindo desse princípio, a falta de êxito das mulheres pode ser formulada como silogismo: se as mulheres possuíssem talento para arte este se revelaria espontaneamente. (p.19)"

 

Portanto a figura do artista como um criador, que comunga de aspectos quase místicos e mitológicos, ou ainda do artista como uma espécie de messias de origem humilde que carrega o dom artístico e que é apenas descoberto, pode ser vista como uma grande falácia que embasa muito da compreensão histórica e biográfica dos assim chamados grandes artistas. Alem disso ha componente sócio-histórico, a questão de que não só os homens estão em posição mais propicia para as praticas artísticas como também a classe social a qual pertencem, bem como as expectativa isso implica, como o tempo despendido em certos tipos de praticas, compõem um quadro de analise mais apurado para uma compreensão mais clara.

 

Considerações finais

 

Em seu ensaio “Porque não houve grande mulheres artistas”, Linda Nochlin procurou elaborar a problemática da “questão feminina”, buscando os seus fundamentos teóricos e conceituais, e compondo um quadro do contexto historio teórico-metodológico relativo à construção das narrativas sobre os assim chamados grandes artistas.

Tendo em vista da construção de um argumento que abordasse o lugar das mulheres no âmbito da arte, ela desenvolveu uma critica a algumas perspectivas metodológicas da história da arte, bem como as implicações narrativas destas e propôs uma critica de fundo ao pressuposto do gênio artista recorrente em algumas destas metodologias.

Assim ela conseguiu articular muitos elementos da discussão, subjacentes e subsumidos nela, fazendo emergir uma serie de aspectos que a principio não parecem compor os fundamentos das noções e conceitos envolvidos na questão e em seus desdobramentos, mas sem os quais certamente não se poderia compreender o alcance da questão.

 

Referencias:

 

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