Ensaios sobre psicologia social e psicanálise (anotações de leitura)









Por: Guilherme Orestes Canarim

“reprova-se em Freud que ele tenha considerado estruturas sociais e econômicas como efeito de impulsos psicológicos, que surgiram eles mesmos de uma constituição puncional humana mais ou menos á-histórica.(p43)”

No inicio do texto, adorno já indica o caminho que pretende seguir na sua analise, o de reconhecer a importância do pensamento de Freud frente as teorias psicológicas suas contemporâneas que apelam ou para o aspecto animal da vida psíquica ou para uma assim considerada “harmonia dos contrários”, que seria constitutiva e auto-explicativa em relação a complexidade da ligação sujeito-sociedade.

Alem disso ele quer chamar a atenção para uma característica importante do pensamento freudiano : o fato de ter dado mais atenção a composição das punções humanas, especialmente seu caráter deshistoricizante. A psicanálise no seu nascedouro buscou analisar esta constituição das forças puncionais, e descobriu que a aparência contextual ou conjuntural dos sintomas esta ligada principalmente com a expressão da subjetividade e não com o seu núcleo, que permaneceria praticamente intacto as transformações epocais.

É interessante lembrar que a revisão do trabalho de Freud e Marx deram-se em épocas, contextos e, em muitos casos, por pensadores ou escolas contemporâneas, de modo que uma influencia a outra. Esse caráter da sociologização da psicanálise levado a cabo pelo que adorno chama de culturalismo, certamente tem influencia daquelas interpretações marxistas que buscaram na superestrutura as possíveis causas dos entraves na predita transformação social.

 

“Deve-se investigar, entretanto, se sua tentativa de sociologizar diretamente a psicanálise de fato também conduz aos discernimento críticos  sobre a essência da sociedade que a psicanálise poderia fornecer.(p.44)”

Adorno reconhece então que abrir mão da investigação das minúcias da vida puncional subjetiva pode ter sua vantagem, observar apenas a parte sem levar em consideração o todo, pode prejudicar metodologicamente a possibilidade de se compreender mais sobre o objeto. No entanto ele coloca a questão de que os revisionistas parecem buscar uma saída a esse problema da investigação da “dinâmica puncional atomisticamente isolada no interior dos indivíduos”  por uma via sociologizante que tende a olhar para o “ processo vital em sua totalidade”. Desse modo os neofreudiano caem no lado o posto do problema metodológico que buscavam evitar, considerar o todos sem levar em conta as partes também pode ser prejudicial, e alem disso dificulta as possibilidades de compreendermos se a psicanálise pode ou não colaborar com uma compreensão critica da sociedade, ou seja daquilo que ela pode se tornar apesar de não ter ainda se dado conta.

 

I

“Uma totalidade do caráter, tal como pressuposta pelos revisionistas como dada, é um ideal que somente pode seria realizável em uma sociedade não traumática (p.48)”

Aqui vale uma dobradinha com o aforismo 36 da mínima moralia em que adorno diz:

”Nenhum estudo chega hoje ao inferno onde se forjam as deformações que, mais tarde, aparecem como jocosidade, franqueza, sociabilidade, como adaptação conseguida ao inevitável e como sentido prático isento de sinuosidades. Há motivos para admitir que elas têm lugar em fases do desenvolvimento infantil mais têmporas do que na origem das neuroses: se são os resultados de um conflito em que a pulsão foi vencida, o estado, que é tão normal como a sociedade mutilada a que ele se assemelha, provém de uma intervenção, por assim dizer pré-histórica, que anula já as forças antes de se chegar ao conflito, pelo que a ulterior ausência de conflitos reflecte o previamente decidido, o triunfo apriórico da instância colectiva, e não a cura por meio do conhecimento. (p49)”

Assim adorno aponta para o fato de que os revisionistas buscam construir “novas” categorias que tem o objetivo de ultrapassar aquilo que eles consideram como limites ou falhas da teoria freudiana das punções. No entanto ao escolherem o “eu” como objeto estão ao mesmo tempo optando por um momento subjetivo mais tardio e impedindo na historicidade interior aos mecanismos puncionais estes se apresentem como elementos epistêmicos fundamentais.

O eu esta portanto mais próximo da condição de sujeito, e pode demonstrar-se mais pelas categorias, frágeis, que procuram os efeitos ou as conseqüências da dinâmica puncional, de certa maneira esse projeto do neofreudiano esta oposto aquele que adorno adota de Kiergaard de desinocular os conteúdos históricos introjetados no sujeito, como caminho para a imanência dos elementos vegetativos da própria consciência subjetiva.

 

Referência: Adorno, T. W. (1954) Ensaios sobre Psicologia Social e Psicanálise (V. Freitas, Trad., pp. 191-198). São Paulo: UNESP. 

 

 

 

 

 


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